HÁ 90 ANOS: COM AS BÊNÇÃOS DE NAZARETH, O PRIMEIRO RECITAL DE CARMEN MIRANDA

Pedro Paulo Malta 29.03.2019

Revista "O Violão", fevereiro de 1929 / Reprodução: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Grisalho, no centro do grupo, Ernesto Nazareth era o único rosto conhecido entre os quinze que apareciam na foto publicada pela revista "O Violão" em sua edição de fevereiro de 1929. Nela, vemos o compositor de “Brejeiro” e “Odeon” entre músicos amadores que tinham participado de um festival realizado em 7 de fevereiro de 1929 no Instituto Nacional de Música (atual Escola de Música da UFRJ), localizado na Rua do Passeio, Centro do Rio. Uma imagem que seria apenas mais uma, não fosse a presença – na foto e no evento – de outro grande nome da música brasileira: a jovem Carmen Miranda, a segunda (da esquerda para a direita) entre as quatro moças que empunham violões. Naquela época, ela era uma vendedora de chapéus que estava a dois dias de completar 20 anos e figurava entre os talentos amadores selecionados para o recital.

Nesta foto está, portanto, o registro do único encontro entre a cantora – a alguns anos de se tornar a artista brasileira de maior projeção internacional – com “o rei do tango”, já então consagrado e veterano (aos 65 anos), cumprindo o papel de chamariz para o evento, que teria a renda revertida para a Policlínica de Botafogo. Ao lado de Carmen, na extrema esquerda da foto, está sua irmã Aurora, então com 13 anos.

Foi a primeira vez que a Pequena Notável se apresentou para uma plateia, na qual, segundo o biógrafo da cantora, Ruy Castro, estavam os pais e irmãos dela, desfazendo “a história que Carmen inventaria anos depois (e repetiria inúmeras vezes), de que começara a cantar às escondidas do pai”. O biógrafo informa também que foram quatro os números musicais apresentados por ela, entre eles dois tangos: “Caminito” (Juan de Dios Filiberto e Gabino Coria Peñaloza) e “Che, papusa, oi” (Hernán Matos Rodríguez e Domingo Enrico Cardícamo).

O repertório da aspirante a cantora tinha também “Chora violão” (composição de seu professor de música, Josué de Barros) e “Linda Flor”, música de Henrique Vogeler com letra de Cândido Costa que havia sido lançada em agosto de 1928, no Teatro Carlos Gomes, pela cantora Dulce de Almeida. No fim de 1929, “Linda flor” seria rebatizada com o nome de “Ai, ioiô” (agora com letra de Luiz Peixoto), fazendo muito sucesso na voz de Aracy Cortes. Curiosamente, nenhuma das quatro músicas foi gravada por Carmen ao longo de sua carreira.

Clique aqui para ouvir Carlos Gardel cantando “Caminito” ou aqui para ouvi-lo interpretando “Che, papusa, oi”. Já “Chora, violão” pode ser ouvida aqui, na interpretação de Araci Cortes, e “Linda flor” aqui, cantada no vozeirão de Vicente Celestino.

Embora Josué de Barros tenha participado do festival no Instituto Nacional de Música, quem acompanhou Carmen Miranda nos quatro números musicais foi o pianista e compositor Júlio de Oliveira, como destacou o cronista Jota Efegê em sua coluna publicada em O Jornal (08-10-1967): “Perante uma assistência pública e certamente algo inibida por estar se apresentando no salão de uma escola em que os cânones da música deviam ser observados atentamente, a garota, chapeleira de profissão, poderia fracassar. Mas Júlio de Oliveira, apesar de sua formação didática, nas incursões que fazia pelo popularesco, sabia lhe dar a exatidão propícia.”

Não há registro de que os caminhos de Carmen Miranda e Ernesto Nazareth tenham se cruzado depois do recital em fevereiro de 1929. Quase um ano depois, a cantora gravou a canção “Pra você gostar de mim” (Joubert de Carvalho), que se tornaria seu primeiro de muitos sucessos. Já o pianista, em 1930, fez sua última composição (a valsa “Resignação”), dedicando-se principalmente aos recitais nessa fase final de sua vida – Nazareth faleceu em 4 de fevereiro de 1934, a pouco mais de um mês de completar 71 anos.

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