MR. LAMBERT, O PIANISTA DE NOVA ORLEANS QUE DEU AULAS A NAZARETH

Pedro Paulo Malta 05.12.2018

No universo artístico em que se formou Ernesto Nazareth, um dos personagens mais pitorescos é o pianista Charles-Lucièn Lambert, único professor formal de música na trajetória do brasileiro. Nazareth aprendeu piano com a mãe, na infância, e já tinha editado as primeiras composições quando decidiu se aprimorar com aulas particulares, em 1881. Sem condições financeiras para enviá-lo à Europa (como faziam os mais abastados), a solução encontrada pela família foi um professor no próprio Rio de Janeiro – e foi aí que chegaram a Lambert, pianista e compositor negro que deu aulas ao futuro autor de “Odeon”.

Mas é a trajetória do professor que faz dele um capítulo à parte nessa história: Lambert é um dos nomes importantes na música de concerto norte-americana do século 19. Nasceu livre em pleno regime escravocrata (1828), em Nova Orleans – cidade do sul dos Estados Unidos que, ao longo do século 20 se firmou como o berço do jazz, mas na época do nascimento de Lambert era ainda uma cidade recém incorporada ao país (1803), após décadas de controle pelos franceses (seus fundadores, em 1718) e outras tantas pelos espanhóis. Nova Orleans também já se tornava um dos principais polos da cultura afro-americana – herança dos enormes contingentes de africanos escravizados e imigrantes antilhanos que passaram a viver por lá a partir do século 18.


Charles-Lucièn Lambert aprendeu música com o pai (o maestro Charles-Richard Lambert, também professor do compositor Edmond Dedé) e despontou como virtuose do piano ainda na década de 1840, chegando a rivalizar com o amigo e conterrâneo Louis Moreau Gottschalk. Buscando novos trabalhos (e distância do preconceito racial), mudou-se em 1854 para Paris, onde editou obras de sua autoria com relativo sucesso. Em 1862, mudou-se para o Rio de Janeiro, trazendo a esposa e o filho único, nascido nos arredores de Paris: Lucièn-Leon Guillaume Lambert, que também foi pianista, mas fez carreira na Europa, com muito sucesso e prêmios.


Antes disso, viveu as primeiras experiências acompanhando o pai, ainda no Brasil, como a participação que fizeram no concerto grandioso liderado pelo já citado Gottschalk no Theatro Lyrico Fluminense, no Centro do Rio. Isso em 12 de novembro de 1869, quando pai e filho (este com seus 11 anos) estiveram entre os 31 pianistas reunidos no “extraordinário evento offerecido à Sociedade Asylo dos Inválidos da Pátria”, que teve ainda a participação de “duas grandes orchestras”.

Já no dia-a-dia carioca, o sustento da família vinha através da loja de pianos e partituras aberta pelo patriarca e das aulas que dava, como no Instituto Nacional de Música – no qual ingressou a convite do grande editor e pianista Arthur Napoleão, provável responsável por aproximá-lo de Ernesto Nazareth. Ao todo, foram apenas oito aulas que o jovem pianista teve com Lambert naquele ano em 1881 – calendário abreviado por força de uma viagem do professor a Paris. Das aulas, o que se sabe é o que foi informado pelo pesquisador e musicólogo Mário de Andrade (numa conferência na Sociedade de Cultura Artística, em São Paulo, 1926), a quem Nazareth diz ter ouvido assim do mestre: “Pinta as hastes das notas mais de pé, Ernesto!...”


Além do capricho da escrita, supõe-se que, nas aulas com Lambert, Nazareth tenha se aproximado da obra de Chopin e também desenvolvido sua técnica de instrumentista, como conta o pesquisador Alexandre Dias neste artigo sobre o universo musical nazarethiano: “Lambert era compositor de peças de salão, como caprichos, mazurcas e valses brillantes, além de polcas e habaneras, ambientadas na tradição do piano romântico, com pretensão virtuosística, uso grandioso do piano de modo a impressionar o ouvinte. Esta tradição pianística era muito apreciada em saraus da época, e Nazareth pode tê-la herdado através das poucas aulas que teve com Lambert.”


Charles-Lucièn Lambert faleceu no Rio de Janeiro, no dia 2 de maio de 1896, “sem deixar nenhum desaffecto”, como estampou em sua primeira página A Gazeta de Notícias, na edição de 5 de maio daquele ano. O periódico, no entanto, se engana ao informar que Lambert havia chegado ao Brasil trinta anos antes (desde 1862 tinham se passado 34 anos) e que faleceu aos 71 – quando, na verdade, tinha 67 ou 68 anos.

Passados 190 anos do seu nascimento, tornou-se verbete obrigatório em sites e livros de referência sobre os primórdios da música nos Estados Unidos, em especial nos dedicados à herança afro-americana. Em 1999, algumas das 40 obras que deixou foram executadas em um concerto que também reunia composições de seu filho, no Festival de Hot Springs, realizado no estado norte-americano do Arkansas. A gravação do recital resultou em um CD da série “American Classics”, lançado no ano 2000 pelo selo Naxos, trazendo no repertório interpretações como a do pianista Michael Linville para “La Bresiliana: grande valse brillante de salon”, composição de Charles-Lucièn Lambert datada de 1875.

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