VILLA-LOBOS E NAZARETH: AMIZADE E HOMENAGENS MÚTUAS

Pedro Paulo Malta 30.01.2019

Trajando terno branco e posando com um grupo em frente à igreja da Candelária, no Centro do Rio, a figura central desta foto é Heitor Villa-Lobos. O maestro, como se lê na edição de 20 de março de 1934 do jornal A Noite, foi a figura mais ilustre entre os presentes à missa rezada em memória de Ernesto Nazareth, que naquele mesmo dia teria completado 71 anos, não fosse sua morte recente, em 1º de fevereiro de 34.

"A Noite", edição de 20/03/1934 / Reprodução: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

O periódico informa ainda que Villa compareceu ao “officio religioso” na condição de regente do Orpheão de Professores –  coro recém-criado por ele e encarregado da música na missa celebrada pelo cônego Henrique de Magalhães. Embora estivesse a trabalho, o maestro também se enquadrava no que a matéria descreve como os “numerosos amigos” de Nazareth, dado o afeto e a admiração mútua que havia entre eles.

Uma relação que passa por encontros como, por exemplo, um recital em 6 de junho de 1909,  no Instituto Nacional de Música, onde Nazareth, depois de interpretar duas composições próprias, acompanhou Villa na execução de “Le cygne”: peça do francês Saint-Saëns para violoncelo e piano. E também por momentos pitorescos, como a visita de Villa a Nazareth, provavelmente na década de 20, quando o maestro sentou ao piano para mostrar composições recentes, causando frisson no cachorrinho do anfitrião, o fox-terrier Pierrot, como contou a pianista Maria Alice Saraiva em depoimento ao biógrafo de Nazareth, Luiz Antonio de Almeida.

Já a admiração entre eles se revela principalmente nas dedicatórias em ambas as obras. Na de Ernesto Nazareth, por exemplo, destaca-se “Improviso – Estudo para Concerto”, em cuja partitura se lê que é oferecida “ao distincto amigo Villa-Lobos” (clique aqui para ouvir as gravações). A música, editada provavelmente em 1922, é uma retribuição de Nazareth ao maestro, que no ano anterior havia dedicado ao amigo a primeira peça de sua famosa série “Choros”: a emblemática “Choros nº 1”, composta para violão. Sem contar duas citações de “Apanhei-te, cavaquinho” na obra de Villa, segundo o pianista e pesquisador Alexandre Dias: uma delas no 5º movimento da “Suíte Sugestiva” (ouça aqui) e a outra em “Noneto - Impressão Rápida de Todo o Brasil” (ouça aqui).

Cabeçalho da partitura publicada em 1922 (circa) / Reprodução: site Ernesto Nazareth 150 anos

Outra homenagem a Nazareth veio logo depois da missa noticiada pelo jornal A Noite, que abre este texto. Isso em 24 de junho daquele 1934, quando se deu a primeira audição de mais uma peça de Villa-Lobos que citava composições do amigo – no caso, os tangos brasileiros “Odeon” e “Atrevido”. Era o “Concerto brasileiro”, criado pelo maestro ainda em 33, para uma formação incomum: dois pianos e coro misto. Mais inusitada ainda é a informação de que, nessa primeira audição, a execução do segundo piano coube ao próprio Villa (pianista bissexto em recitais), ficando o primeiro piano a cargo do concertista José Vieira Brandão. Já o “coro misto” foi entregue ao já citado Orfeão de Professores, regido por Orlando Frederico.

Felizes dos presentes ao Teatro João Caetano naquela noite, já que, além disso, pouco ou nada se sabe sobre o “Concerto brasileiro”, que – passados 84 anos – se resume às partituras do coro que resistem sob a guarda do Museu Villa-Lobos, como um quebra-cabeças a ser completado.

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