SIMPÓSIO ERNESTO NAZARETH 150 ANOS

Alexandre Dias 29.05.2013

Entre os dias 20 e 21 de março de 2013, o Instituto Moreira Salles realizou um simpósio inteiramente dedicado a Ernesto Nazareth, em parceria com a UFRJ e a UniRio. O evento contou com a participação de 11 pesquisadores de diferentes instituições e teve a curadoria dos professores doutores Pedro Aragão (UniRio), Samuel Araujo (UFRJ) e Sara Cohen (UFRJ).

Foram quatro mesas redondas temáticas, cada uma reunindo três palestrantes, que discutiram sobre diversos aspectos da obra e vida nazaretheana. Clique aqui para baixar o folder do simpósio, contendo o resumo de todas as palestras, um breve currículo de cada palestrante, e textos sobre as homenageadas.

Abaixo segue uma breve descrição de cada uma das palestras com os respectivos vídeos na íntegra.

A abertura do simpósio, no dia 19, homenageou duas grandes nazaretheanas: a musicóloga Mercedes Reis Pequeno, que fundou a Divisão de Música da Biblioteca Nacional e organizou a exposição comemorativa do centenário de Ernesto Nazareth em 1963; e a pianista Eudóxia de Barros, que vem se dedicado à execução da obra de Nazareth ininterruptamente nos últimos 50 anos.

No vídeo abaixo, constam as palavras de abertura da coordenadora de música do IMS, Bia Paes Leme, e as respectivas homenagens.

Neste momento, foi apresentado em primeira mão uma filmagem proveniente da coleção de Luiz Antonio de Almeida, mostrando imagens da exposição de 1963, incluindo uma rara imagem em movimento de Eulina de Nazareth, filha de Ernesto. Assista abaixo o vídeo em versão reduzida (em breve será divulgada a versão completa, em um post dedicado ao tema).

Na mesma noite de abertura, o pianista André Mehmari apresentou um recital inteiramente dedicado a Nazareth, mostrando uma visão original e contemporânea de suas obras, incluindo vários arranjos inéditos. Clique aqui para ler uma resenha do recital, e assista abaixo ao recital na íntegra.

1ª mesa redonda

Na manhã do dia 20, aniversário de 150 anos de Ernesto Nazareth, o simpósio teve início com a mesa redonda “Nazareth e a memória musical”, contando com a participação da pianista Eudóxia de Barros, do biógrafo Luiz Antonio de Almeida (MIS) e do pianista/pesquisador Alexandre Dias (IMS).

A musicóloga Sara Cohen foi a mediadora, e em suas palavras introdutórias chamou a atenção para a importância do catálogo gerado pela Biblioteca Nacional em 1963, a partir da exposição coordenada por Mercedes Reis Pequeno, que constitui uma pedra fundamental na pesquisa nazaretheana.

A pianista Eudóxia de Barros falou sobre sua participação no programa 8 ou 800 da TV Globo em 1976, em que respondeu a perguntas sobre Nazareth e que acabou apresentando o compositor a toda uma geração de músicos, pesquisadores e ouvintes (infelizmente os registros em vídeo deste programa foram destruídos no incêndio que ocorreu no acervo da emissora no mesmo ano). Além disso, fez um apanhado sobre a vida de Nazareth, incluindo informações que aprendeu do musicólogo Mozart de Araújo, e expôs suas visões sobre como interpretar Nazareth, com ênfase para a “síncope amolecida”, que exemplificou ao tocar o tango brasileiro Ouro sobre azul.

Em seguida, o biógrafo Luiz Antonio de Almeida, maior especialista na vida de Ernesto Nazareth, fez um relato detalhado sobre como começou a pesquisar Nazareth na adolescência, como conheceu Diniz e Julita Nazareth, filho e sobrinha do compositor, últimos parentes diretos ainda vivos na década de 1980, e como acabou se tornando herdeiro honorário de todo o espólio do autor. Também falou sobre seu livro que está pronto, embora ainda sem editora para publicação. Em 2003, o Acervo de Luiz Antonio foi adquirido pelo Instituto Moreira Salles, servindo como alicerce para o site EN 150.

Encerrando a mesa, falei sobre a importância da Hemeroteca Digital Brasileira (produzida pela Biblioteca Nacional), que disponibiliza para consulta online gratuita mais de cinco milhões de páginas de jornais e revistas brasileiras desde 1808 até hoje, com opção de pesquisa por palavra-chave instantânea em todo o acervo. Este novo sistema está revolucionando a pesquisa musicológica, e no caso de Nazareth está levando ao descobrimento de diversos aspectos sobre sua vida ainda desconhecidos, além da datação correta de certas peças. Algumas destas descobertas foram expostas ao longo da palestra.

Perguntas e considerações da plateia:

 

2ª mesa redonda

A segunda mesa teve como tema “Nazareth e a música popular” e contou com a participação dos palestrantes Cacá Machado (USP), José Miguel Wisnik (USP) e Carlos Sandroni (UFPE). O violonista e arranjador Paulo Aragão (idealizador do site EN 150) foi o mediador e fez a abertura da mesa.

O musicólogo Cacá Machado, que escreveu o livro “O Enigma do Homem Célebre – Ambição e Vocação de Ernesto Nazareth” (IMS, 2007), tratou da dialética entre a música de concerto e a música popular em Nazareth tendo como pano de fundo o conto “Um Homem Célebre”, de Machado de Assis. Também chamou a atenção para a polca como um mediador cultural no final do século XIX, e as diferentes modalidades que a polca assume na obra de Nazareth. (clique aqui para ler “‘Cruz, perigo!’: a febre das polcas (ou a configuração singular do gênero)”, 1º capítulo do livro mencionado).

Em seguida, o musicólogo Carlos Sandroni, autor do livro “Feitiço Decente -transformações do samba no Rio de Janeiro, 1917-1933” (Jorge Zahar, 2001), forneceu insights sobre possíveis influências de instrumentos populares (como a kalimba) sobre o tango característico Batuque, de Nazareth, que podem ter resultado no movimento pendular da melodia em certos trechos. Foram traçados paralelos entre peças de diferentes compositores que se utilizaram do gênero “tango”, com especial ênfase nos aspectos rítmicos, e ilustrados com partituras e gravações.

Encerrando a segunda mesa, o professor de literatura e filósofo da música José Miguel Wisnik (autor de clássicos obrigatórios como “O Som e o Sentido” e o ensaio “Machado Maxixe”) falou sobre as interações entre o erudito e o popular, entre a música europeia e a música africana em Nazareth. Depois, enfatizou o princípio audiotátil na música de Nazareth, e ilustrou ao piano como os diferentes planos melódicos se rebatem na música Bambino. Também chamou a atenção para as semelhanças entre Scott Joplin e Nazareth, sincopando a mão esquerda no rag Elite Syncopations. Ao final da palestra, tivemos o privilégio de ouvir o ragtimer norueguês Morten Gunnar Larsen, que veio ao Rio de Janeiro especialmente para assistir ao simpósio e às demais comemorações do sesquicentenário nazaretheano, interpretar o mesmo rag de Joplin, a pedido de Wisnik (infelizmente esta última parte não pôde ser gravada por questões técnicas).

 

3 ª mesa redonda

A terceira mesa teve como tema “Nazareth e o pianismo carioca” e contou com a participação dos pianistas Sara Cohen (UFRJ), Marcelo Verzoni (UFRJ) e Alexandre Dias (IMS).

Abertura da mesa pelo mediador Pedro Aragão:

A musicóloga Sara Cohen começou citando autores que colocam Nazareth em uma posição de destaque na música brasileira pelo trato pianístico sofisticado de suas composições, com influência da técnica chopiniana. Em seguida retomou o tema que abordou pioneiramente em sua dissertação de mestrado em 1988: as músicas de Nazareth podem ser utilizadas didaticamente como estudos pianísticos, dada a riqueza de técnicas que apresentam. Ao final, ilustrou algumas dessas técnicas ao piano.

Em seguida, o musicólogo Marcelo Verzoni falou sobre o interesse de pianistas de concerto na música de Nazareth, e como seu próprio interesse surgiu, quando residia na Alemanha. Ressaltou a ambiguidade de sua música, que tem traços tanto populares quanto eruditos, a dificuldade de executá-la, e o desafio de como incluí-la em repertórios de concerto. Mencionou a relação entre música e grupos sociais, os diferentes contextos sociais de Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga (leia aqui artigo que escreveu sobre este tema), e em seguida fez um apanhado de como historiadores da música brasileira abordaram a música de Nazareth.

Por fim, fiz um breve comentário sobre o problema de se considerar os tangos brasileiros de Nazareth como sendo “na verdade maxixes escondidos sob um outro gênero”:

E em seguida, substituindo a pesquisadora Cristina Bittencourt, que não pôde comparecer, apresentei uma palestra sobre os padrões rítmicos das 29 polcas de Ernesto Nazareth, e como o conceito de polca é fluido em sua música. Foram apresentados gráficos e tabelas ilustrando como cada padrão rítmico das polcas evoluiu cronologicamente na obra de Nazareth. Foi possível identificar que alguns padrões rítmicos só foram usados nas polcas da juventude de Nazareth e outros só surgiram em sua obra quando ele passou a compor tangos brasileiros na década de 1890. Ao final, algumas músicas foram ilustradas ao piano, com as respectivas partituras.

Perguntas e considerações da plateia:

 

4ª mesa redonda

A quarta e última mesa teve como tema “Nazareth e a música do Atlântico negro”, com o objetivo de se discutir as influências negras e seus intercâmbios na música das Américas. Os palestrantes foram Avelino Romero (UniRio), Jair Labres (UFF) e Manuel Bernal (Universidad Distrital de Bogotá).

O musicólogo Samuel Araújo, mediador da mesa, contextualizou o tema:

Avelino Romero apresentou uma palestra sobre o tango rioplatense (uma expressão mais politicamente correta do que “tango argentino”, como mencionou), sua história, seus estereótipos, suas variantes, e as transformações que sofreu ao longo do século XX, de cunho rítmico, formal, coreográfico e social. Forneceu informações sobre as diferentes acepções do vocábulo “tango” desde o século XIX, e ilustrou ricamente com capas de partituras, citações de diversos autores (que por vezes mostram uma postura de “branqueamento” do tango, negando influências negras) e exemplos de gravações.

Em seguida, Jair Labres falou sobre as jazz bands do início do século no Brasil, tema de seu mestrado. Abordou o repertório diversificado que tocavam (que incluía sambas, maxixes, polcas, fox-trots e tangos), sua associação aos clubes elitistas e a bailes carnavalescos, e apresentou gravações (as jazz bands tocavam músicas de Ernesto Nazareth) e fotos da época. Mencionou a importância do acervo online de 78-RPMs do Instituto Moreira Salles e a da Hemeroteca Digital Brasileira, da Biblioteca Nacional. Também apresentou trechos de matérias de jornal da época, principalmente dos jornais do movimento operário da década de 1920, que mencionavam bandas como a Jazz Band Schubert e a estadunidense Gordon Stretton Jazz Band.

Por fim, o pesquisador Manuel Bernal Martinez fez uma minuciosa análise sobre o pasillo colombiano, um gênero de valsa sincopada sul-americano, com influências da música negra. Foi feita uma contextualização social e histórica da música colombiana desde meados do século XIX, amplamente enriquecida por imagens da época, capas de partituras, recortes de jornal e gravações pianísticas. Diversos compositores foram apresentados, e foram analisadas as transformações da valsa europeia até chegar no que se configurou como a vals-pasillo, com especial ênfase nos complexos padrões rítmicos.

Perguntas e considerações da plateia:

Este simpósio se enquadra em um contexto em que academia cada vez mais se interessa pela música de Ernesto Nazareth. Na seção de textos do site EN 150 temos listados cerca de 30 trabalhos acadêmicos que abordam a música nazaretheana, dentre dissertações, teses e artigos.

Em breve será disponibilizado online um livro com os anais deste simpósio.

É interessante mencionar também que este simpósio não foi o primeiro. Em 1962 realizou-se um Seminário Nazareth, em Vitória (ES) entre 8 e 10 de dezembro, por iniciativa do Conselho Nacional de Cultura, em parceria com a Universidade do Espírito Santo e a Academia Brasileira de Música. Este seminário contou com a participação dos compositores Adelaide P. da Silva, Brenno Blauth, Bruno Kifer, Edino Krieger, Emilio Terraza, Ester Scliar, J. A. de Almeida Prado, Kilza Setti, Lina Pires de Campos, Mariza Tupinambá, Marlos Nobre, Milton Cunha, Nilson Lombardi, Olivier Toni, Persio Rocha, Sergio Vasconcelos, Dieter Lazarus e Theodoro Nogueira. Também tomaram parte os pianistas Eudóxia de Barros e Wally Borghoff e os cantores Priscilla Rocha Pereira e Camilo Michalka. Os convidados de honra foram Mozart de Araújo, Francisco Mignone, Helena Lorenzo Fernandez e Mário Cabral.

Os temas, que não eram específicos sobre o Nazareth, foram: “Nacionalismo musical brasileiro”, coordenado por Francisco Mignone; “Pesquisa folclórica e a utilização do folclore na música erudita brasileira” – coordenado por Mozart de Araújo; “O ensino da música brasileira nas escolas”, coordenado por Pascoal Carlos Magno. Foram realizados concertos nos três dias, com diversos compositores brasileiros.

Clique aqui para acessar a matéria do Jornal do Commercio de 16 de dezembro de 1962, que fala sobre este evento.

Agradecemos a Euler de Araújo Gouvêa, que realizou a edição cuidadosa de todos os vídeos.

TAGS Eventos, História

COMENTÁRIOS

Alexandre Dias - 10.06.2013

Nazareth

Olá Angelo, O Nazareth aparece nos temas das diversas palestras, direta ou indiretamente. Abraços

Angelo - 10.06.2013

Ernesto Arranjado

Bonito. Mas me pergunto, onde está Nazareth ai Alexandre? obrigado

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