POLCA (PARA MÃO ESQUERDA)

COMPOSIÇÃO

1910 (Estimado)

1ª PUBLICAÇÃO

2008

Polca (para mão esquerda), composta provavelmente na década de 1910 e publicada postumamente em 2008 pelo portal Musica Brasilis. Como diz o título, ela deve ser tocada apenas com a mão esquerda.

Segundo o biógrafo Luiz Antonio de Almeida, Nazareth se referia a esta peça como Polca-tango em suas listagens manuscritas. O pesquisador Cacá Machado, em seu livro O enigma do homem célebre, lança uma hipótese sobre a data da peça: "curiosamente, Alberto Nepomuceno (1864-1920) escreveu um número considerável de peças para mão esquerda [quatro em 1906, uma em 1910 e uma em 1920]. É bem possível que Nazareth estivesse dialogando com o nacionalista compositor cearense quando escreveu sua polca-tango, o que lançaria a hipótese sobre a data de sua composição ser em torno da década de 1910".  De fato, Nazareth conhecia Nepomuceno desde pelo menos 1903, quando este o convidou a diplomar-se pelo Instituto Nacional de Música, do qual era diretor (convite que Nazareth recusou, afirmando já estar muito velho para isto).

É possível que o primeiro título da Polca (para mão esquerda) tenha sido Canhoto (m.g.), como consta em uma listagem elaborada em 1922 pelo compositor. A sigla m.g. é freqüentemente usada em partituras de piano para indicar trechos que devem ser tocados com a main gauche (mão esquerda, em francês).

Ernesto explorou a este tipo de técnica em outra peça, a Elegia para piano (mão esquerda), que foi dedicada "a sua querida filha Eulina de Nazareth”.

Em entrevista ao biógrafo Luiz Antonio de Almeida, a pianista Maria Alice Saraiva fornece a interessante informação: "Quem me apresentou estas músicas foi a Dona Eulina. Ela me disse que eram duas “brincadeirinhas” que o pai escreveu para a mão esquerda. Às vezes, em meus recitais, ela se levantava e dizia, em público, que depois do pai dela somente eu tocava estas músicas."

Não há registro de que Nazareth tenha tocado sua polca em público, mas sabe-se que a Elegia constou no seu recital no Club Caixeiral de Rosário (Rio de Janeiro) em 19 de fevereiro de 1932. Portanto aqui é possível ver ambas as facetas de pianista e compositor de Ernesto Nazareth integradas em uma peça que, assim como a Polca para a mão esquerda, possui um forte cunho de peça-estudo, que procura ampliar as fronteiras de seu próprio instrumento.

Nazareth se destacava pelo grande apuro pianístico de suas composições. Como parte de seu notório uso de técnicas diversificadas pianísticas em cada um de seus choros, valsas e polcas, destaca-se o uso proeminente da mão esquerda que desempenha às vezes papéis de protagonista em peças como Tenebroso e Fon-Fon!, mas também como um coadjuvante marcante, fazendo padrões complexos como nos tangos Labirinto e Carioca.

Sobre a literatura para mão esquerda:

O fato de ser composta apenas para a mão esquerda não implica, necessariamente, na simplicidade de uma peça. Pelo contrário, na verdade há três planos musicais simultâneos a serem resolvidos com cinco dedos: o baixo, os acordes, e a melodia. Sob esse ponto de vista, o piano torna-se parecido com um violão, violino ou instrumento afim, que só disponha de uma mão para atacar as notas. O compositor Johannes Brahms, que transcreveu para piano a famosa Chacona de Bach composta originalmente para violino solo, falou a esse respeito em carta a Clara Schumann:

“Se não há nenhum violinista excepcionalmente bom à disposição... Só há uma maneira pela qual eu possa obter pura alegria da peça, embora em uma escala menor e aproximada, e isto é quando eu toco [a Chacona de Bach] com a mão esquerda sozinha... A mesma dificuldade, a natureza da técnica, a construção dos arpejos, tudo conspira para me fazer -- sentir como um violinista!” (fonte:  Tradução livre a partir do texto escrito por Malcolm MacDonald no encarte da coleção "Brahms - Complete Piano Music" (Nimbus Records NI 1788), lançada em 1991)

Peças para a mão esquerda são relativamente comuns no repertório pianístico mundial, e possuem uma história ligada a pianistas que perderam o uso da mão direita, e continuaram sua carreira de concertista, como Leon Fleischer e o brasileiro João Carlos Martins. Além de Brahms, este gênero de técnica foi desenvolvido por compositores como Liszt, Saint-Saëns, Moszkowski, Ravel (com seu famoso concerto para a mão esquerda), Scriabin, e o “pianista dos pianistas” Leopold Godowsky, que transcreveu diversos estudos de Chopin para esta mão.

O site Piano Music for the Left Hand Alone oferece uma listagem de mais de 6.000 peças já compostas apenas para a mão esquerda. Há também um extensivo ensaio que aborda a interessante questão de por que quase não há peças para a mão direita apenas, cuja chave está em sua anatomia.