QUERIDO POR TODOS (PARTE 3): NO IMAGINÁRIO MUSICAL

Alexandre Dias 14.05.2012

“Havia para as grandes confissões dos corações, os tangos do Ernesto Nazareth...”

No primeiro e segundo posts desta breve trilogia vimos as músicas dedicadas a Nazareth no meio erudito e no meio popular. Hoje veremos outros tipos de homenagem, músicas que citam apenas brevemente seu nome ou sua música, mas que contribuem para sua perpetuação no imaginário musical.

A música Flauta, Cavaquinho e Violão, de Custódio Mesquita e Orestes Barbosa, gravada por Aracy de Almeida em 1945, lembra com poesia nostálgica o Rio antigo. Em certo trecho, a letra fala:

 “No rio dos sonetos de Bilac só de fraque 
É que se frequentava os cabarés. 
E havia para as grandes confissões dos corações 
Os tangos de Ernesto Nazareth... “

E logo em seguida os violões tocam o tema de Brejeiro.

Várias décadas depois encontramos Ivan Lins e Vitor Martins, na música Bonito, também falando de flauta, cavaquinho e violão, e dizendo: 

“Sou mais Portela
Com a cabeça do Paulinho
Sou mais Elis
Ainda que depois da porta
Sou mais Aldir e o bom Bosco
Para sempre, para sempre
O Nazareth, o Radamés e o Jobim

Sabe-se que Pixinguinha era amigo de Nazareth, inclusive gravou suas peças Matuto e Odeon. Embora não conheçamos nenhuma homenagem direta a Nazareth em sua obra, vemos a letra que Jair Amorim fez para o choro Naquele Tempo capturar mais uma lembrança de Nazareth:

“(...) Naquele tempo era a graça da raça na praça
E um sorriso furtivo ao passar
E ouvia-se tocar Ernesto Nazareth
Noturnos de Chopin bem cedo no café
À noite inteira nos saraus
Só se ouvia Strauss


Na tocante homenagem a Jacob Ao longe um bandolim, Sérgio Farias e Hermínio Bello de Carvalho falam:

“(..) e os seus dedos miraculosos
lapidavam cada som
pixinguinhas modulantes
nazarés apaziguando a dor
seu bandolim
quem escutou
jamais esquecerá...
era Jacob do Bandolim”

Também é interessante lembrarmos a ainda obscura primeira letra que Odeon recebeu, de Hubaldo Maurício, que coloca Nazareth tocando dentro de sua própria música:

“Ó que saudade das «Soireés» e «Matinês« lá do Odeon...
E lá o saguão, o pianista muito sério, o seu piano a dedilhar...
Os namorados, no intervalo, passeavam a se olhar!
Bilhetes mil, tinham asas, voavam era o jeito de amar”

A sonoridade do título de Apanhei-te, cavaquinho inspirou algumas variações, como Apanhei-te meu Fagotinho (valsa paródia), de Francisco Mignone; Apanhei-te Paganini, de Lyrio Panicali; Apanhei-te Pianinho, de Gilson Peranzzetta (que também cita a polca em suas Variações sobre um tema de Nazareth); e Apanhei-te Mini-Moog, de Mu Carvalho.

O compositor francês Darius Milhaud, quando esteve no Rio entre 1917 e 1919, como adido cultural, afirmou sobre Nazareth e Tupynambá em 1920: "A riqueza rítmica, a fantasia sempre renovada, a verve, a vivacidade, a invenção melódica de uma imaginação prodigiosa que são encontradas em cada obra destes dois mestres tornam estes a glória e a jóia da arte brasileira". Em seu famoso balé Le Boeuf sur le Toit (O Boi no Telhado), citou quatro músicas de Nazareth: Escovado, Carioca, Ferramenta e Apanhei-te, cavaquinho.

O choro São João debaixo d'água, de Irineu de Almeida (professor de Pixinguinha), que cita a segunda parte de Brejeiro, possui curiosa história. Segundo o pesquisador José Silas Xavier, Irineu foi tocar em uma festa de São João em Bangú, e caiu um temporal imenso. Nessa festa apareceu um clarinetista que entrou para o grupo de improviso, e na hora de repetir ele só conseguia tocar o brejeiro (que se encaixava à música que estavam tocando). Então Irineu, quando foi gravar a peça com o Choro Carioca referenciou o episódio cômico do clarinetista colocando alguns compassos da segunda parte do Brejeiro.

Esta gravação pelo Choro Carioca feita em 1911, foi provavelmente a primeira gravação de Pixinguinha, que participa na flauta, aos 14 anos.

Nos EUA, em 1914, como parte do sucesso fenomenal que o maxixe Dengoso teve, vemos nada menos que três paródias sobre esta música: That Wonderful Dengoza Strain, de Abner Greenberg e William Jerome; Dance that Dengozo with me "Oo-La-La", de George L. Cobb e W. L. Beardsley; e My Croony Melody de Joe Goodwin e Ray Goetz. Nesta última, algum pobre coitado reclama que não aguenta mais ouvir aquela melodia “tantalizante” (veja a letra completa e tradução aqui)

"(...) Now surely something's wrong with me
Since I heard the melody
Melody of mystery
A tempting refrain
Has entered my brain

(...) My poor brain
Oh, what am I going to do?
What are you going to do?
Everywhere I go I hear it again
Well ain't that a shame?"

De volta ao Brasil, vemos a prática de respostas musicais, muito comum no século XIX. Luiz Levy, sob o pseudônimo de Ziul Y Vel, compôs as polcas Cativaram-me os teus olhos (em resposta à polca Os teus olhos cativam) e Vicilino (em resposta à polca Beija-flor). E Jacintho Cunha compôs a polca Filhinha, como uma “Imitação da polca A Fonte do Lambary de Ernesto Nazareth”.

Complementando essas diversas menções, é interessante notar que, no google maps, há registrados diversos locais que referenciam Nazareth: Conservatório Musical Ernesto Nazareth (Mooca - SP), Escola de Música Ernesto Nazareth (São José do Rio Preto - SP), Escola Municipal Ernesto Nazareth (RJ), CAPS Ernesto Nazareth (RJ), dois condomínios residenciais (Curitiba e Belém) e oito ruas (em Recife, São Paulo, Alto de Pinheiros – SP, Rio de Janeiro, Santa Maria – RS, Sumaré – SP, Guarulhos – SP, São José dos Campos –SP)

Dentro do repertório de hinos escolares (que Nazareth explorou em várias peças), o biógrafo Luiz Antonio de Almeida registrou o Hino da Escola Ernesto Nazareth (provavelmente da década de 1960), de autoria desconhecida, e letra de Maria Mercêdes Mendes Teixeira, que letrou diversas músicas de Nazareth:

I
Neste canto de glória e alegria
Nós dizemos da mais viva fé
Evocando a sublime harmonia
Em teu nome imortal Nazareth. (bis)

II
Neste hino a esta escola querida
Que do nome a lição, já nos vem
Pautaremos, no amor, nossa vida
Ao estudo, ao trabalho e ao bem

III
Procurando, no bem, ser primeiros
Sentiremos imenso prazer
Dando exemplo de leais Brasileiros
Saberemos cumprir o dever

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Atualizações: agora os comentários para o blog estão funcionando. Sejam bem-vindos!

Vários novos vídeos e listas de reprodução foram adicionados ao nosso canal no youtube: http://www.youtube.com/user/ErnestoNazareth150/videos

TAGS História

COMENTÁRIOS

Miguel Gorgulho - 07.06.2012

Fred Astaire e Ginger Rogers

Alexandre, seu trabalho está impecável. Gosto muito também de suas gravações ao piano. Parabéns e obrigado por dividi-los conosco. Por curiosidade, poderíamos acrescentar que Fred e Ginger dançaram uma música de Nazareth no filme "Flying down to Rio".

Rübinger - 17.05.2012

Bravo!

Trabalho impecável, excelente, maravilhoso. Obrigado por batalhar a cada dia por um Brasil mais culto, que reconhece os gênios de sua terra.

Caito Marcondes - 17.05.2012

Alexandre, o Grande!

Alexandre, tenho que cumprimentá-lo sempre pelo seu trabalho de ourivesaria em torno da obra do Nazareth! O Brasil carece de pesquisadores como você para divulgar essa cultura tão múltipla e que se perde com tanta facilidade num país de tão pouca vocação para registros dessa natureza! Grande abraço e até breve! Caito

Alexandre Dias - 15.05.2012

Obrigado

Obrigado a todos que comentaram! Continuem voltando! Abraços

Laura Macedo - 15.05.2012

Maravilha de Trilogia

Alexandre, O título escolhido para esta Trilogia não podia ter sido melhor: "Querido por todos". Como Nazareth foi e é "querido por todos", até hoje. Fico super feliz quando vejo os jovens músicos empolgados com a obra de Ernesto Nazareth, atestando que a música de qualidade resiste, como um bom vinho, ao tempo. Achei fantástica a ideia deste site entrar no ar um ano antes dos 150 anos de Nazareth. Pelo andar da carruagem será um ano de excelentes publicações acerca da obra Nazarethiana. Parabéns a você e toda equipe. Abraços. Laura Macedo

fabiano borges - 15.05.2012

Viva nossa música

Parabéns, Alexandre. Fico muito feliz em ver sua incessante pesquisa sempre viva. Gosto muito das curiosidades que você encontra sempre acerca das obras. Abraço do amigo Fabiano Borges!

Rodrigo Alzuguir - 14.05.2012

Que pesquisa!

Prezado Alexandre, a pesquisa que você vem realizando sobre Nazareth é incrível! Não sabia que o "Dengoso" tinha feito esse sucesso todo nos EUA, a ponto de gerar músicas-comentário. Parabéns sempre pelo trabalho!

Marcelo Sá - 14.05.2012

Viva ao Choro Brasileiro

Parabéns a todos que participam dessa maravilhosa obra, que nos faz sentir um pouco mais próximos de pessoas maravilhosas que revolucionaram a história da Música Popular Brasileira! Obrigado!

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